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A vida e o cotidiano através do olhar de um psicólogo humanista.

Esses dias fui ao cinema assistir Premonição 6. Sim, eu sei – não é um Bergman, nem um Almodóvar, acontece que para mim a franquia tem sabor de coisa antiga. Daqueles sabores que a gente não encontra mais no mercado, mas lembra com nitidez: o ritual de ir até a locadora, o som da porta rangendo, o ar-condicionado sempre frio demais, o cheiro de plástico e fita rebobinada. Eu passava bons minutos (às vezes horas) girando as capas dos filmes como se estivesse escolhendo o enredo da minha própria vida para aquele fim de semana. E Premonição, com suas mortes engenhosamente absurdas, sempre foi uma escolha segura — uma dose de adrenalina domesticada.

Mas naquele dia, não foi o filme que mais me chamou atenção. Foi a moça sentada ao meu lado.

Ela parecia não conhecer a lógica do enredo. Se encolhia na poltrona como se estivesse assistindo a um suspense da vida real. Cochichava para a amiga — e eu, com meu ouvido de psicólogo que não se desliga nem no cinema — ouvia tudo. “Ai, que agonia… tomara que morra logo!”, dizia ela, como quem torce pelo fim de um sofrimento. E então se assustava quando a morte finalmente vinha. Mesmo sabendo que viria. Como se o previsível ainda a surpreendesse.

Fiquei ali, dividido entre a tela e aquela espectadora intensa. Pensando como somos parecidos com ela. Sabemos o que está por vir. No filme e na vida. O carro que não freia, o amor que desanda, o emprego que já mostrou sinais de fim. E mesmo assim, levamos um susto quando o inevitável se concretiza.

A franquia Premonição nunca foi sobre o “se”, mas sobre o “quando” e o “como”. É sobre a espera, o adiamento, a dança macabra entre o destino e a tentativa de escapar dele. A morte é garantida — é o suspense que ilude.

Talvez seja por isso que a moça se agitava tanto. Porque na vida real também é assim. A gente sabe que o relacionamento está morrendo, mas se incomoda com os silêncios. Sabe que a fase ruim vai chegar ao fim, mas se assusta com o momento exato em que ela termina. Porque entre saber e aceitar existe um abismo. E cair nele é sempre inesperado, mesmo quando anunciado.

No fim da sessão, enquanto subiam os créditos, ela soltou um “Ufa” aliviado, como quem sobreviveu a um ataque. Eu, em silêncio, deixei o cinema com outra sensação. A de ter reencontrado um pedaço meu que ficou nos corredores das locadoras. Um tempo em que eu podia escolher o final da noite com as próprias mãos, e onde tudo — até a morte — parecia um pouco mais poético.

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Quem sou eu?

Oi, eu me chamo Marcos André! Nasci em Macapá, numa manhã chuvosa de dezembro — verão no calendário, mas o céu parecia discordar. Ironia: nunca gostei de chuva. Sempre preferi o calor, das ruas e das pessoas. Introspectivo por natureza, mas movido por encontros sinceros, cresci inventando histórias para dar forma ao que sentia. Me formei em Psicologia e trabalho no serviço público, onde escuto vidas reais com a mesma delicadeza com que observo as palavras. Escrevo com a pele. Com memória. Com tudo aquilo que não me deixa em paz. Este blog é meu quintal interno: onde deixo palavras amadurecerem ao sol ou escorrerem feito chuva de verão. Se te tocar, que seja como brisa quente depois da tempestade.

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