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A vida e o cotidiano através do olhar de um psicólogo humanista.

“Em busca da minha melhor versão.”

Li isso outro dia num post motivacional — desses que aparecem entre uma publi de whey protein e uma meditação guiada. E pensei: quando foi que viramos softwares?

Estamos vivendo como se fôssemos aplicativos de celular. Sempre esperando pela próxima atualização que corrija nossos bugs emocionais, melhore nossa interface social e nos torne mais leves, mais rápidos, mais funcionais. Já não basta ser — é preciso ser versão premium.

Acordamos e, antes mesmo do café, já estamos em processo de upgrade. Nova rotina matinal, novo hábito saudável, nova tentativa de autocuidado que, no fundo, só serve para maquiar a ansiedade de nunca sermos suficientes. “Hoje vou ser mais grato”, a gente diz. Enquanto o peito aperta e o mundo exige que você sorria para não travar.

Nos vendem a ideia de que existe uma “melhor versão” de nós escondida em algum lugar. Que só depende de esforço, disciplina e alguns cursos online para ser desbloqueada. Como se o amor-próprio viesse com certificado de autenticidade e bônus de produtividade.

Passamos a vida tentando nos tornar alguém que não dá trabalho. Nem para os outros, nem para si mesmo. Alguém que se comporta bem, que não sente demais, que não desaba na terça-feira à tarde sem motivo aparente. Alguém que esteja sempre funcionando.

Mas a vida real não é uma versão final. É cheia de travamentos, lentidões inexplicáveis, mensagens de erro na tela. Tem dias em que tudo está funcionando perfeitamente — até que alguém diz algo, ou você lembra de alguma coisa, e pronto: sistema emocional falhou, reinicie.

E a gente reinicia. Com culpa, com medo, com a ilusão de que na próxima tentativa será diferente. Com mais foco, com mais propósito, com menos vulnerabilidade.

Só que às vezes, tudo o que você precisa não é de uma versão melhor de si. É de aceitação. De espaço. De um pouco de silêncio para ouvir o que a sua versão de agora — essa meio desalinhada, meio cansada, meio fora do script — está tentando dizer.

Talvez a pergunta não seja “qual é a minha melhor versão?”, mas sim: por que me exijo tanto a ponto de não me suportar como sou hoje?

Porque ninguém diz isso nos posts motivacionais: que existe beleza na lentidão, sabedoria na pausa, afeto na falha. Que viver não é correr atrás de performance — é, muitas vezes, sentar no meio do caos e respirar com o que sobrou.

A gente não precisa ser versão final. A gente só precisa ser gente. E, com sorte, encontrar alguém que também esteja em fase de teste, mas que, mesmo bugado, tope continuar tentando junto.

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Quem sou eu?

Oi, eu me chamo Marcos André! Nasci em Macapá, numa manhã chuvosa de dezembro — verão no calendário, mas o céu parecia discordar. Ironia: nunca gostei de chuva. Sempre preferi o calor, das ruas e das pessoas. Introspectivo por natureza, mas movido por encontros sinceros, cresci inventando histórias para dar forma ao que sentia. Me formei em Psicologia e trabalho no serviço público, onde escuto vidas reais com a mesma delicadeza com que observo as palavras. Escrevo com a pele. Com memória. Com tudo aquilo que não me deixa em paz. Este blog é meu quintal interno: onde deixo palavras amadurecerem ao sol ou escorrerem feito chuva de verão. Se te tocar, que seja como brisa quente depois da tempestade.

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Os textos publicados aqui são todos de minha autoria. Aqueles que não forem, farei referência ao autor e ou local onde encontrei. Portanto, se for copiar faça o mesmo: dê os devidos créditos.

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