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Crônicas sobre a vida e o cotidiano através do olhar de um psicólogo humanista (…)

A tristeza não tem pressa. Ela chega como um sopro sutil, um véu que se estende sobre o cotidiano sem que eu perceba. Quando dou por mim, já estou envolto nela, como se sempre tivesse feito parte de mim, uma velha conhecida que retorna, silenciosa e familiar. Não há alarde, não há grito. A tristeza se instala com a naturalidade de quem sabe que, no fundo, já era esperada.

A terapeuta pergunta com suavidade: “O que essa tristeza quer te mostrar?” E eu fico em silêncio. Como se responde a uma pergunta que não tem resposta concreta? A tristeza não se explica, se sente. Ela é como uma sombra que revela contornos antes invisíveis, uma névoa que confunde, mas ao mesmo tempo clareia o que estava oculto. Talvez ela seja apenas a voz do que foi esquecido, a saudade do que nunca aconteceu.

Na Gestalt-terapia, dizem que o sentir é o que importa, que cada emoção tem sua razão de existir. Então, ao invés de fugir, eu me deixo sentir. Deixo a tristeza me percorrer, ocupar cada espaço vazio. E, ao fazer isso, ela muda de forma – não é mais só dor, é também uma pausa, um momento de encontro comigo mesmo. Ela me obriga a olhar para dentro, a encarar o que evitei, os pedaços quebrados que escondi de mim.

“E se você simplesmente acolhesse essa tristeza?” A pergunta ecoa. Aceitar a tristeza parece contraintuitivo, quase um ato de rendição. Mas ao aceitá-la, descubro que há uma espécie de paz nisso. A tristeza, quando não combatida, se revela menos ameaçadora, mais branda. Ela se transforma em uma companhia silenciosa, uma presença que, ao ser acolhida, já não pesa tanto. É como se, ao aceitar o desconforto, ele se dissolvesse em algo que posso, enfim, compreender.

Na terapia, entendo que a tristeza não é o fim de nada, mas um processo, uma travessia que me ensina a ser inteiro. Ela me conecta às partes de mim que ficaram esquecidas, às emoções que não quis sentir. A tristeza me leva de volta à essência, ao que é mais verdadeiro em mim, ainda que dolorido. Há uma profundidade nesse mergulho, um encontro inesperado com a minha própria humanidade.

Saio da sessão com a percepção de que a tristeza não precisa ser combatida, mas vivida. Ela é um caminho para algo maior, uma integração do que sou, com tudo o que carrego – luzes e sombras. Sei que ela voltará, porque faz parte de mim. Mas agora, quando ela vier, vou recebê-la com mais calma, sem pressa de que vá embora. Vou deixá-la ser o que precisa ser, até que cumpra sua função e, como uma onda, recue, deixando em mim algo mais sereno, mais profundo.

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Sobre o autor

Oiiie 🙂 Seja bem vindo! Eu me chamo Marcos André, um apaixonado pela leitura e a escrita. Nasci em uma manhã chuvosa de dezembro, na cidade de Macapá, no Amapá. Desde muito pequeno percebi que gostava de imaginar histórias, criar cenários, inventar personagens e escrever sobre minhas inquietações. Sempre fui mais de ouvir do que de falar e isso me levou ao curso de Psicologia, profissão que exerço, hoje, no funcionalismo público. Aqui trarei um pouco das minhas reflexões existenciais sobre a vida, o cotidiano, o óbvio, o trivial etc… Fique à vontade.

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