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Crônicas sobre a vida e o cotidiano através do olhar de um psicólogo humanista (…)

Thereza olhava para o cardápio como se estivesse decifrando um código secreto. Os nomes sofisticados dos pratos, envoltos em descrições poéticas, quase faziam com que ela se esquecesse de que, no fim das contas, era só comida. Mas ali, naquele restaurante caro, tudo tinha um brilho diferente. Até o ar parecia mais denso, mais importante. O vinho já lhe aquecia o peito, trazendo uma leveza temporária, e a conversa das amigas ecoava como um pano de fundo confortável, mas distante.

Era engraçado como, mesmo cercada de pessoas, Thereza se sentia um tanto deslocada. As risadas à mesa, as taças tilintando, o garçom que passava com gestos medidos – tudo parecia orquestrado, uma dança silenciosa em que ela participava, mas com um pé fora do ritmo. Ela fingia estar ali por completo, mas uma parte dela estava distraída, perdida entre o sabor do vinho e o brilho suave das luzes refletido nas taças.

As amigas falavam sobre suas vidas – maridos, empregos, planos para o futuro. Havia uma segurança nas palavras delas, uma certeza que lhe escapava. Thereza sorria, concordava, mas, lá no fundo, uma pergunta a cutucava: “É só isso?” Olhou ao redor, buscando algo que não sabia bem o que era. Talvez uma confirmação, uma resposta silenciosa. E foi então que notou os casais nas outras mesas.

Cada casal parecia uma ilha, isolado em seu próprio mundo. Havia os que conversavam animados, gesticulando com intimidade, como se o resto do restaurante fosse uma paisagem desfocada. Havia também os que mal trocavam palavras, mas seus silêncios eram pesados de convivência, como se estivessem juntos há tanto tempo que não precisassem mais se traduzir em palavras. E Thereza se perguntou se aquilo era o que a esperava: uma ilha particular com alguém, ou o vazio de uma mesa silenciosa?

Enquanto a conversa das amigas continuava, ela provava a comida com um certo desinteresse. A combinação perfeita de sabores parecia um espetáculo para os sentidos, mas não conseguia tocá-la de verdade. Sentiu-se estranha, como se houvesse uma distância entre ela e o momento presente, como se estivesse observando a própria vida de fora. O que a incomodava não era o jantar em si, mas a consciência de que, no fundo, tudo era efêmero. As amigas, tão envolvidas na conversa, pareciam seguras em seus caminhos. Mas Thereza, bem ali ao lado delas, sentia que algo lhe escapava.

“E se a vida for isso mesmo?”, pensou, enquanto mexia distraída no talher, “Um desfile de pratos requintados e taças de vinho, enquanto por dentro a gente questiona o sentido de tudo?” Um suspiro quase escapou, mas ela o conteve. Não queria quebrar o encanto do momento, não queria manchar a perfeição aparente daquela noite. Mas o vinho, que antes a fazia flutuar, agora trazia um peso, como se cada gole afundasse um pouco mais suas reflexões.

Thereza riu de algo que uma das amigas disse, embora mal tivesse prestado atenção. Ria por reflexo, como se fosse uma personagem numa peça, desempenhando o papel esperado. A risada se dissipou rápido, dando lugar ao silêncio interno que ecoava mais alto que qualquer conversa ao redor. O que, afinal, ela esperava encontrar? Estava no restaurante caro, comendo o prato perfeito, cercada por pessoas que amava, e mesmo assim algo dentro dela clamava por mais. Mas mais o quê?

Ela olhou novamente para os casais. Os gestos sutis, os olhares trocados, o tédio disfarçado. Tudo parecia tão cheio de significados e, ao mesmo tempo, tão vazio. “Será que também vou acabar assim?” A pergunta ficou no ar, pairando entre uma garfada e outra. A vida parecia um prato caro, bonito de ver, bem apresentado, mas que, no fundo, talvez não saciasse a fome mais profunda.

Quando a noite terminou, Thereza saiu com um sorriso educado, seus pensamentos embaralhados entre a satisfação e o desconforto. Do lado de fora, o ar frio trouxe uma clareza que o calor do restaurante havia escondido. Não era uma insatisfação com a vida – era a consciência de como tudo é passageiro. Até essa crise que ela sentia, sabia que com o tempo iria embora. Mas, naquele momento, entre as risadas das amigas, o vinho e a comida finamente preparada, as profundezas de suas perguntas emergiram, trazendo um sabor amargo no final.

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Sobre o autor

Oiiie 🙂 Seja bem vindo! Eu me chamo Marcos André, um apaixonado pela leitura e a escrita. Nasci em uma manhã chuvosa de dezembro, na cidade de Macapá, no Amapá. Desde muito pequeno percebi que gostava de imaginar histórias, criar cenários, inventar personagens e escrever sobre minhas inquietações. Sempre fui mais de ouvir do que de falar e isso me levou ao curso de Psicologia, profissão que exerço, hoje, no funcionalismo público. Aqui trarei um pouco das minhas reflexões existenciais sobre a vida, o cotidiano, o óbvio, o trivial etc… Fique à vontade.

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