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Crônicas sobre a vida e o cotidiano através do olhar de um psicólogo humanista (…)

Ela vivia como se estivesse sempre ao fundo, em um canto de si mesma, evitando ser notada. Thereza era um nome que deslizava pelos ouvidos das pessoas sem deixar rastro, como um sussurro que nunca se quis alto. Nas conversas, suas palavras eram curtas, precisas, medidas para não chamar atenção, e, quando sorriu pela última vez, ninguém soube dizer.

Ela trabalhava num escritório, escondida atrás de uma mesa num canto próximo à janela. Gostava daquela luz difusa que entrava, não muito forte, porque luz demais a incomodava. Thereza nunca gostou de clarões, preferia o cinza leve de um dia nublado, aquele instante em que o mundo fica entre o dia e a noite, como se nada precisasse acontecer. Os outros ao redor falavam, riam, erguiam vozes, mas ela não. Guardava-se. Um dia, um colega tentou saber mais sobre sua vida; fez perguntas triviais, mas ela se esquivou, como quem já aprendeu a arte de ser irrelevante.

Era quase um desejo consciente: ser invisível. Não porque tivesse medo do mundo, mas porque sentia que o mundo era grande demais, cheio demais, e ela era pequena. Não no corpo, mas na alma. E se habitava sua própria solidão com o cuidado de quem monta um quebra-cabeça antigo, onde cada peça só serve se encaixada lentamente.

Às vezes, Thereza sentia uma vontade estranha, uma urgência de sair dessa quietude e gritar alguma coisa que nem sabia direito o quê. Mas a vontade morria antes de se transformar em som, como uma chama que se apaga por falta de oxigênio. Voltava ao seu lugar com a certeza de que ninguém tinha notado, e isso a acalmava. Talvez, pensava, seja mais seguro não querer ser percebida, não se envolver demais, não abrir espaço para que a vida, de fato, a toque.

Certa tarde, uma borboleta entrou pela janela aberta e pousou em sua mão. Ficou ali, vibrando as asas suavemente. Thereza ficou imóvel, quase sem respirar, olhando para o pequeno ser alado que, sem pedir permissão, a tinha escolhido. Pela primeira vez em muito tempo, ela sentiu que talvez fosse possível existir de outro jeito — não sendo o centro, mas sendo um detalhe que, por um instante, foi percebido por algo além de si mesma.

A borboleta voou, e com ela o pensamento. Ela voltou à sua rotina, ao canto de si, mas agora havia uma presença nova, quase imperceptível, como uma brisa que não se vê, mas se sente. E talvez, só talvez, Thereza começasse a pensar que não precisava se esconder tanto.

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Sobre o autor

Oiiie 🙂 Seja bem vindo! Eu me chamo Marcos André, um apaixonado pela leitura e a escrita. Nasci em uma manhã chuvosa de dezembro, na cidade de Macapá, no Amapá. Desde muito pequeno percebi que gostava de imaginar histórias, criar cenários, inventar personagens e escrever sobre minhas inquietações. Sempre fui mais de ouvir do que de falar e isso me levou ao curso de Psicologia, profissão que exerço, hoje, no funcionalismo público. Aqui trarei um pouco das minhas reflexões existenciais sobre a vida, o cotidiano, o óbvio, o trivial etc… Fique à vontade.

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