trivialidades.net

Crônicas sobre a vida e o cotidiano através do olhar de um psicólogo humanista (…)

Esses dias, saí para jantar com uma amiga. Mal sentamos e ela já começou a desfiar sua mais recente decepção amorosa. A narrativa era familiar: encontros que pareciam promissores, conversas intensas, até que, de repente, tudo se desmoronou. “Acho que esperei demais”, ela disse, como quem admite um erro antigo, repetido.

Ouvi aquilo e fiquei pensando: será que a culpa é sempre das expectativas? Será que, em toda história que não dá certo, precisamos eleger um vilão? Porque, honestamente, cada vez mais me convenço de que nem sempre há culpados. Às vezes, as coisas simplesmente não se encaixam. Ela tinha suas expectativas, ele tinha as dele, e no meio disso, os dois ficaram reféns de projeções que nunca foram discutidas.

A verdade é que a gente projeta o tempo todo. Não dá pra evitar. Conhecemos alguém e, antes mesmo que percebamos, já criamos um filme inteiro na cabeça. Mas será que o erro está em projetar? Ou o problema é quando esquecemos que o outro também tem suas próprias expectativas, e nem sempre elas coincidem com as nossas?

Enquanto ela falava, eu refletia sobre como a gente simplifica relações ao buscar culpados. Ele decepcionou porque não foi o que ela esperava. Ela se decepcionou porque projetou demais. Mas e se, em vez de culpar um ao outro, a gente apenas aceitasse que ninguém errou? Que, às vezes, a expectativa que temos do outro não é responsabilidade dele, e que ele, por sua vez, também está lidando com o peso das próprias projeções?

Olhei para minha amiga e disse: “Não sei se o erro foi esperar demais. Talvez tenha sido não perceber que vocês estavam em sintonia diferente, com desejos e escolhas que nunca foram discutidos. Ele tinha o direito de não ser o que você imaginava, e você tinha o direito de esperar mais. Mas isso não faz de nenhum de vocês vilões.”

Ela ficou em silêncio, processando. E então continuei: “Talvez seja isso, sabe? A gente cria expectativas e, às vezes, se esquece que o outro também está tentando. Ele só não está tentando da maneira que a gente quer. E a decepção vem. Não porque alguém errou, mas porque os dois estavam jogando um jogo com regras que nunca foram combinadas.”

Ela me olhou com uma expressão meio aliviada, meio cansada, como quem finalmente entende que não precisa mais buscar culpados. E foi aí que eu disse o que realmente fazia sentido para mim: “Talvez a questão seja parar de culpar as expectativas. Elas existem, e sempre vão existir. O ponto é entender que ninguém é obrigado a cumprir aquilo que a gente projeta, assim como a gente também não é responsável pelas expectativas que o outro cria. É um equilíbrio que precisa ser negociado, sempre.”

Sorri, e ela também. Talvez a chave esteja aí: não em evitar criar expectativas, mas em aprender a lidar com o fato de que elas são nossas. E, ao final do dia, a gente se dá conta de que nem sempre há vilões. Só existem duas pessoas tentando lidar com as próprias escolhas, projetando, esperando, e, às vezes, se decepcionando. Faz parte.

.

.

Uma resposta para “Entre uma decepção e outra: quem é o vilão?”

  1. Avatar de Yana Barbosa castelo
    Yana Barbosa castelo

    Texto excelente! Sempre culpei as expectativas pelas falhas nos mais variados aspectos da vida. E quando não se cumprem vem a dificuldade em lhe dar com a frustração e a desilusão.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Sobre o autor

Oiiie 🙂 Seja bem vindo! Eu me chamo Marcos André, um apaixonado pela leitura e a escrita. Nasci em uma manhã chuvosa de dezembro, na cidade de Macapá, no Amapá. Desde muito pequeno percebi que gostava de imaginar histórias, criar cenários, inventar personagens e escrever sobre minhas inquietações. Sempre fui mais de ouvir do que de falar e isso me levou ao curso de Psicologia, profissão que exerço, hoje, no funcionalismo público. Aqui trarei um pouco das minhas reflexões existenciais sobre a vida, o cotidiano, o óbvio, o trivial etc… Fique à vontade.

Atenção

Os textos publicados neste blog são de minha autoria. Aqueles que não forem, farei referência aos autores e/ou locais onde encontrei. Portanto, faça o mesmo e respeite: se copiar, dê os devidos créditos.

Minhas Redes Sociais