Há uma tirania silenciosa nos ambientes de trabalho que poucos ousam questionar. Ela não grita, não se impõe com dureza, mas está ali, o tempo todo, marcando nossos passos: o relógio. Entrar às 8h, sair às 18h, bater o ponto sem desviar um minuto, sem hesitar. Um ritual diário, imposto com o rigor de uma regra sagrada, como se ali, naquele horário exato, estivesse a chave para a produtividade, o compromisso e o valor de cada profissional.
O que o relógio não revela, porém, é o peso que carrega. Porque, enquanto marca o tempo de trabalho, ele apaga o tempo de vida. Ali, diante da tela de um computador ou no balcão de atendimento, há histórias de quem saiu de casa às pressas, talvez sem tomar café, porque precisou acalmar o filho que teve um pesadelo; há quem chega com o coração ainda apertado, preocupado com um parente doente, com uma conta atrasada, com o futuro que parece incerto. O relógio, no entanto, não faz concessões para essas angústias. Para ele, todos são apenas números, todos entram e saem dentro do prazo esperado, todos funcionam como peças de uma grande máquina.
E, assim, vamos deixando pedaços de nós pelo caminho. O estresse, a ansiedade, o esgotamento, tudo se acumula num corpo que, um dia, inevitavelmente, desaba. Quantos de nós já não sentimos esse cansaço que não se cura com uma noite de sono? Quantos já não experimentaram a sensação de serem sugados por um sistema que ignora a individualidade e a humanidade de cada um?
É paradoxal. As empresas dizem valorizar pessoas, falam de empatia, de bem-estar, de saúde mental. Mas, na prática, o que importa é o cartão de ponto, a meta batida, o relatório entregue. Não há espaço para pausas, para respirar, para viver. Somos reduzidos a máquinas que devem funcionar no tempo certo, com precisão. E, aos poucos, isso nos rouba a essência, a motivação e, por vezes, até o sentido de estarmos ali.
A realidade é que não somos só trabalhadores. Somos também amigos, familiares, pessoas que carregam sonhos e responsabilidades além do escritório. A tirania do relógio ignora essa complexidade, e o preço que pagamos por essa indiferença é alto. Ansiedade, depressão, insônia – não são meras consequências do trabalho; são alertas de que estamos indo longe demais na busca por uma produtividade que esquece o ser humano.
Então, talvez seja hora de olhar para o relógio com um pouco menos de submissão. De lembrar que nossa vida não pode ser controlada por ponteiros que não consideram o que sentimos. De entender que o tempo dedicado ao trabalho não deve nos afastar do que realmente importa. Porque, no final, somos mais do que o horário que cumprimos. E merecemos, todos nós, ser vistos como aquilo que somos: pessoas, antes de qualquer ponto marcado.
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